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Juristas diz: Mandado de busca e de prisão coletivos são a vitória da barbárie

Ainda surpreendida com uma intervenção federal contestada por diversos segmentos da sociedade, a população acordou no início da semana com anúncios do governo federal de que seriam necessários “mandados de busca” coletivos e de prisão no Rio de Janeiro, dada as “peculiaridades urbanísticas” do morro, segundo o discurso oficial. Caso se efetive a ideia, significa dizer que um raio será traçado em uma comunidade pobre e dentro desse perímetro o Exército é absolutamente livre para entrar na casa de quem quiser e prender como bem entender, além de efetuar outras mais variadas medidas. Para quem acompanha o Justificando, a questão dos mandados coletivos de busca e apreensão já foi motivo de espanto em outras oportunidades, quando, por exemplo, as Forças Armadas ocuparam promovendo cenas de terror na comunidade do Jacarezinho. Na época, o mandado de busca coletivo produziu tantos abusos que juristas denunciaram o apartheid social na comunidade.

Entretanto, perto do que se anuncia na intervenção federal, Jacarezinho parecerá um tubo de ensaio, principalmente pelo discurso incluir agora mandados de prisão coletivos, algo inédito. O discurso parece unânime: o próprio ministro da Justiça, Torquato Jardim, foi à mídia anunciar que pediria mandados coletivos para áreas que não determinou; a Advogada Geral da União, Grace Mendonça, reconheceu a medida como “polêmica”, mas anunciou ir ao Supremo Tribunal Federal defendê-la, se necessário; dentre outras posturas do Governo Federal em sintonia para implementar a prática.

Nas redes sociais, a reação é indignada. Nas redes sociais, o Advogado Márcio Paixão explicou o que significaria um mandado coletivo de busca e de prisão: se um mandado de busca e apreensão coletivo (algo manifestamente ilegal) é algo dirigido a um bairro inteiro, sem individualização das residências a serem invadidas, um mandado coletivo de prisão constituiria espécie de autorização judicial para prisão de pessoas indeterminadas, ou seja, de posse desse mandado, o interventor teria a autoridade para prender qualquer pessoa, independentemente de haver ou não prova de que ela esteja envolvida em alguma atividade ilegal. É espécie de retorno do instituto da “prisão para averiguação”, mas sem nenhum prazo para a custódia – fica presa até o que juiz expeça alvará de soltura.

Para Paixão, a vingar esse mandado para o Rio de Janeiro seria o rompimento definitivo de qualquer ideia de Estado de Direito – “eu não sei nem como qualificar esse tipo de medida – se é a vitória da barbárie, se é a exceção escancarada em grau máximo, se é o rompimento definitivo com qualquer ideia fantasiosa de Estado de Direito que circulava, se é um estado de sítio não declarado, ou se é tudo isso junto. Mas, caso seja concretizada, vale pensar se o Brasil não estaria caminhando para uma “solução final” no tratamento dos pobres que, em vez de aceitarem o que a sociedade lhes oferece – as profissões de “ajudante de pedreiro”, “catador”, “flanelinha” – optam pela violência e pela sobrevivência por meio da pilhagem”.

Para o Defensor Público Bruno Baghim, a classe média, por meio da classe jurídica e policial, apoiar e promover uma medida dessa natureza seguiria a coerência de um país que historicamente é hostil à pobreza – “Defender mandado de busca coletivo é não considerar que barracos e casebres são casas, dignos de proteção. Que seus moradores são menos cidadãos. Diria que é sinal dos tempos, mas o Brasil é assim desde a chegada dos portugueses, uma terra hostil à pobreza e aos pobres, em que a classe média se acha rica e faz o trabalho sujo para quem realmente manda. Verdadeiros capitães-do-mato”.

Já o servidor público federal e doutorando em Direito pela Universidade de Brasília, Victor Pimenta, defende que “mandado do busca e apreensão coletivo é uma daquelas barbaridades que só existem em pseudo-democracias racistas e extremamente desiguais como o Brasil. É só pensar quão inimaginável seria a polícia entrando e vasculhando apartamentos de luxo no Leblon ou Ipanema, com uma autorizaçãozinha genérica nas mãos”.

No mesmo sentido, a Professora Doutora de Direito Penal da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Luciana Boiteux, pergunta se seria tão naturalizada uma proposta dessa caso o alvo fosse algum bairro charmoso da Zona Sul fluminense – “Se esses mandados coletivos fossem usados no Leblon e Barra da Tijuca ia ser um deus nos acuda. É a lógica do controle social da pobreza, só vale para a favela. Só que, formalmente, pela Constituição é ilegal para todos. E agora, o que os ‘cidadãos de bem’ vão fazer?”. Por fim, em explicação didática, o Professor Emérito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e Procurador de Justiça aposentado Afrânio Silva Jardim, trouxe as várias violações à legislação em uma eventual vigência de mandados coletivos.

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