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Um planeta com porte terrestre Proxima Centauri, foi descoberto por Aastronomos

Esta é basicamente a grande descoberta que os astrônomos estavam esperando desde que o primeiro planeta foi descoberto fora do Sistema Solar, mais de duas décadas atrás. Um planeta com porte terrestre, no lugar certo para permitir a presença de água líquida — quem sabe, vida –, em torno da estrela mais próxima do Sol, Proxima Centauri. Ela está a apenas 4,2 anos-luz daqui.

O anúncio foi feito nesta quarta-feira (24), após quase um mês de rumores fortes, e a expectativa foi correspondida inteiramente. O mundo deve ter 30% mais massa que a Terra, talvez um pouco mais, mas provavelmente não muito mais. Isso o coloca firmemente no campo dos planetas rochosos, como o nosso.

Sua órbita, por sua vez, o leva a completar uma volta em torno de sua estrela-mãe a cada 11,2 dias terrestres, o que o posiciona bem no meio da chamada zona habitável — a região do sistema planetário em que o nível de radiação estelar permitiria em princípio a presença de água em estado líquido na superfície. Os cientistas tratam essa como a condição essencial para o surgimento e a evolução da vida.

Isso quer dizer que há “proximanos” vivendo lá, ou mesmo que nós podemos nos mudar para lá em algum ponto do futuro? Os cientistas fazem questão de enfatizar que não há nenhuma garantia, no momento, de que Proxima b seja de fato habitável, que dirá habitado. Estar na distância certa de sua estrela é condição necessária, mas não suficiente, para termos um oásis para a vida. Algumas outras características precisam também estar presentes, como uma atmosfera adequada para a conservação e distribuição do calor e um campo magnético forte — aliás, bem forte.

A comparação entre estrelas de vários tamanhos, de Sirius a Proxima Centauri, passando pelo Sol e pela binária Alfa Centauri A e B. Júpiter no final ajuda a compor o quadro. (Crédito: ESO)
A comparação entre estrelas de vários tamanhos, de Sirius a Proxima Centauri, passando pelo Sol e pela binária Alfa Centauri A e B. Júpiter no final ajuda a compor o quadro. (Crédito: ESO)

Isso porque Proxima Centauri é uma estrela anã vermelha, com pouco menos de 15% do diâmetro do Sol. Isso significa que ela é bem mais fria e menos brilhante que o nosso astro-rei, mas em compensação também costuma ser muito mais ativa. Pelo brilho menor, planetas habitáveis precisam ficar bem mais perto, o que significa que sofrem bem mais com as enormes erupções estelares e emissões de ultravioleta e raios X. Estima-se que Proxima b receba 400 vezes mais raios X do que a Terra — estar lá equivale a algo como fazer uma ou duas radiografias de pulmão por dia, todos os dias. Não tente isso em casa.

Aliás, o fato de Proxima Centauri ser uma estrela com um nível respeitável de atividade estelar foi também o que impediu os astrônomos de descobrir esse planeta até agora, muito embora ele estivesse praticamente debaixo do nariz deles.

A descoberta foi feita pelo método popularmente conhecido como “bamboleio gravitacional”. Conforme o planeta gira ao redor de sua estrela, ele a puxa suavemente para lá e para cá, induzindo nela um movimento que pode ser detectado ao analisar a luz que ela emana.

Até aí, tudo simples. Complicado é separar esse efeito de outros causados pela rotação e pela atividade da própria estrela. Observações feitas nos últimos 16 anos — o que é um bocado de tempo — pareciam indicar que havia um planeta lá com o período de 11,2 dias, mas era difícil cravar a descoberta, diante de tanto ruído em meio ao sinal.

A coisa era ainda mais temerária porque astrônomos já haviam escorregado nessa casca de banana antes, no mesmo sistema estelar. Proxima Centauri é a menor de um trio de estrelas, do qual as mais conhecidas são Alfa Centauri A e B (que, por sua vez, são visíveis como um único ponto brilhante no céu noturno, na constelação do Centauro, perto do Cruzeiro do Sul; Proxima, em contraste, é opaca demais para vermos a olho nu, apesar de estar um pouquinho mais perto que as outras duas).

Alfa Centauri A e B são a estrelona brilhante e aparecem como uma só na imagem; pequenina, abaixo, Proxima Centauri (Crédito: ESO)
Alfa Centauri A e B são a estrelona brilhante e aparecem como uma só na imagem; pequenina, abaixo, Proxima Centauri (Crédito: ESO)

Em 2012, um grupo liderado por Michel Mayor e Xavier Dumusque, astrônomos do Observatório de Genebra, anunciou a descoberta de um planeta com a mesma massa da Terra, mas superquente, em torno de Alfa Centauri B. Segundo seus descobridores, ele estava no limite absoluto da sensibilidade do instrumento de detecção, instalado no observatório do ESO em La Silla, no Chile. Tanto que, dependendo da técnica usada para processar os dados, ele sumia.

Três anos depois, estudos subsequentes mostraram que o tal planeta nunca existiu — não passou de uma miragem, sem dúvida gerada pela gana de descobrir mundos em nosso sistema estelar vizinho mais próximo.

Guillem Anglada-Escudé, da Queen Mary University, em Londres, e seus colegas de uma vasta colaboração internacional estavam determinados em não cair na mesma armadilha. Então, de posse da suspeita gerada pelos 16 anos de dados já colhidos em La Silla de Proxima Centauri, partiram para uma ofensiva agressiva de observações: a campanha Pale Red Dot (Pálido Ponto Vermelho, referência tanto ao baixo brilho de Proxima quanto à expressão cunhada por Carl Sagan para falar da Terra na vastidão do cosmos, um “pálido ponto azul”).

Além de colherem novas observações de forma contínua e insistente durante 60 noites no início de 2016 com o espectrógrafo HARPS, em La Silla — o instrumento responsável pela medição do “bamboleio” –, os pesquisadores também fizeram observações com o UVES, outro espectrógrafo focado em ultravioleta e luz visível instalado no mais poderoso VLT, em Paranal. (Enquanto La Silla tem um espelho de 3,6 metros, o VLT é um complexo de quatro telescópios em que cada um tem espelho de 8,2 metros.)

Em paralelo, eles usaram outros telescópios espalhados pelo mundo para medir a fotometria — trocando em miúdos, o nível de brilho — de Proxima Centauri. A ideia era verificar simultaneamente o bamboleio e o nível de atividade estelar, assim como a rotação da estrela. Assim, sinais espúrios causados por esses fenômenos podiam ser descartados, deixando apenas o que interessava: o sinal do puxão gravitacional do planeta sobre seu astro central.

O processo não deixou dúvida de que o sinal com período de 11,2 dias era real. Tratava-se mesmo de um planeta.

Gráfico mostra o bamboleio gravitacional de Proxima Centauri em razão da presença de um planeta (Crédito: ESO)
Gráfico mostra o bamboleio gravitacional de Proxima Centauri em razão da presença de um planeta (Crédito: ESO)

“Nós estivemos trabalhando nisso por bastante tempo”, disse Guillem Anglada-Escudé aoMensageiro Sideral. “Também estamos empolgados — e aliviados neste momento. Você verá que a evidência é muito mais forte do que para Alfa Centauri Bb. Fizemos um bom número de verificações extra. Na verdade, a última campanha tinha objetivo de ser uma confirmação. Vemos o mesmo sinal em dois instrumentos separados e em rodadas de observação independentes. Estamos bem convencidos de que [o planeta] está lá.”

Com efeito, embora no título do artigo que rendeu a capa da edição desta semana da “Nature” a descoberta seja tratada como “planeta candidato” (sacomé, publisher escaldado tem medo de água fria, e foi a mesma “Nature” quem publicou o fiasco Alfa Cen Bb, em 2012), agora as evidências parecem ser à prova de bala.

A bonita capa da "Nature" desta semana, com Proxima Centauri e seu planeta rochoso (Crédito: Macmillan)
A bonita capa da “Nature” desta semana, com Proxima Centauri e seu planeta rochoso (Crédito: Macmillan)

“Seria uma amplitude entre os picos [o ‘vai’ e o ‘vem’ do bamboleio estelar] de quase 3 metros por segundo”, indica Claudio Melo, astrônomo brasileiro que trabalha no ESO, mas não participou da pesquisa. “Sendo assim, acredito que o HARPS consiga ‘ver’ o planeta sem problemas.” (O espectrógrafo tem resolução de 1 m/s, o que significa que o sinal seria quase três vezes mais forte do que a sensibilidade “segura” do instrumento. Já a “miragem” Alfa Centauri Bb tinha variação de 0,5 m/s para lá e para cá, o que dá amplitude de 1 m/s, bem no limite da distinção entre sinal e ruído.)

Moral da história: parece que agora vai. Os cálculos dos pesquisadores sugerem que a chance de falso positivo para o planeta é de 0,000007% (7 x 10-8, para quem curte notação científica). Mas evidentemente será bom ter o escrutínio da comunidade científica sobre os resultados para que tenhamos certeza absoluta. (Outra coisa interessante é que os dados colhidos parecem sugerir a existência de um outro planeta mais externo, com mais massa e período entre 60 e 500 dias. Mas aí já estamos falando de um sinal que não cai na margem de segurança da descoberta e fica só como uma dica para outros pesquisadores que queiram adentrar a toca do coelho, por assim dizer.)

O COMEÇO DA DIVERSÃO
Descobrir um mundo de tipo rochoso (terrestre) na zona habitável em torno de Proxima Centauri é possivelmente o mais emocionante achado da história (reconhecidamente curta) da pesquisa de exoplanetas. Mas muito mais emocionante – e intelectualmente desafiador – será compreender que mundo é esse, afinal.

Algumas pesquisas preliminares naturalmente começam agora. Afinal de contas, uma das coisas mais incríveis da ciência é sua capacidade predizer fenômenos. O próprio grupo de Anglada-Escudé já trabalha furiosamente para criar modelos de computador que sugiram que tipo de ambiente e temperatura podemos encontrar por lá, na esperança de que essas possíveis circunstâncias sejam confrontadas com dados observacionais mais adiante.

Com um período de apenas 11,2 dias, o planeta orbita bem perto de sua estrela-mãe – apenas cerca de 5% da distância Terra-Sol, ou 7,5 milhões de km. Isso quer dizer que existe uma chance bem grande de que esse mundo tenha sua rotação gravitacionalmente travada, com um lado sempre voltado para sua estrela e outro em perpétua escuridão. O fenômeno é bem conhecido por essas bandas e explica por que a Lua tem a mesma face voltada para a Terra o tempo todo.

Se esse for o caso, o planeta pode ter um lado muito quente e outro muito frio. Os pesquisadores realizaram uma simulação dessas circunstâncias, num estudo publicado à parte, e encontraram um clima em que o lado iluminado teria uma temperatura bem agradável – entre 0 e 30 graus Celsius – e o lado escuro seria do naipe inverno russo, com média de -30 graus, podendo chegar a -60 nas regiões mais frias. (Na Terra, a temperatura atmosférica mais fria já registrada diretamente foi de -89,2 graus Celsius, no polo Sul; a mais quente, 54 graus Celsius.)

Isso, é claro, se o planeta tiver uma atmosfera relativamente densa, como a nossa, para permitir a circulação de calor e o glorioso efeito estufa (que é uma coisa ótima se for na medida certa, como na Terra, ou uma coisa péssima se for em excesso, como em Vênus).

Por outro lado, não há garantias de que o planeta se mantenha nessa trava gravitacional básica. Em alguns casos, o travamento se dá numa ressonância entre rotação e translação, como acontece com Mercúrio, que completa três rotações ao mesmo tempo em que dá exatas duas voltas em torno do Sol.

Os cientistas simularam então também essa alternativa, com o planeta numa ressonância 3:2 (o que sugere uma rotação de cerca de 7,5 dias). O que esse lento churrasco grego faria com a distribuição de calor pelo globo de Proxima b?

Nesse caso, o planeta teria uma distribuição latitudinal de temperaturas mais próxima da que vemos por aqui, com um equador mais quente (perto de zero grau Celsius) e polos mais frios (podendo chegar a -90 graus).

“O planeta está a uma distância ótima para possuir água em estado líquido”, diz Claudio Melo. “Saber como é sua atmosfera é outra história.”

Eis aí a principal dificuldade: como poderemos observar a atmosfera de Proxima b e tentar verificar se algum desses modelos climáticos se encaixa aos fatos?

O ideal seria conseguir detectar o planeta passando exatamente à frente de sua estrela.

EM BUSCA DO TRÂNSITO
Infelizmente, isso vai depender de uma baita sorte para acontecer. É preciso que o plano da órbita do planeta esteja precisamente alinhado com a nossa linha de visada aqui da Terra para que ele periodicamente passe à frente dela.

Quando isso acontece, a luz estelar que passa de raspão pela atmosfera do planeta e consegue seguir viagem até nós, carregando consigo algumas informações do ar pelo qual passou – e isso permite que os astrônomos as decodifiquem, por meio de uma técnica chamada espectroscopia de transmissão.

A questão é: será que teremos essa sorte com Proxima b? As probabilidades não estão em nosso favor. Em seu artigo na “Nature”, Anglada-Escudé e seus colegas calculam a chance em 1,5%. Mas se tem uma coisa que não assusta astrônomos são números, e eles já estão trabalhando para ver se o planeta transita ou não à frente de Proxima Centauri. O que também traria um desafio adicional – detectar a diminuta redução de brilho que isso ocasionaria. (A estimativa é de que apenas cerca de 0,5% da luz estelar seria bloqueada, o que equivale a tentar detectar um mosquito passando à frente de um farol de carro a alguns quilômetros de distância.)

“Claro, várias pessoas na equipe já estão procurando por trânsitos… é um trabalho em andamento”, conta Anglada-Escudé. “A probabilidade geométrica é baixa. Entretanto, temos boas razões para presumir que [a massa real do] planeta está perto da massa mínima, com base em estatísticas anteriores de programas de varredura e também por simulações de formação planetária. Isso implica que a órbita está perto de estar no mesmo plano em que observamos. Dedos cruzados.”

Se rolar trânsito, com instrumentos atuais – como o glorioso Telescópio Espacial Hubble – já poderemos tentar detectar o espectro atmosférico de Proxima b. Isso para não falar das futuras vedetes da astronomia no espaço e em solo, o Telescópio Espacial James Webb (que deve ser lançado em 2018) e a próxima geração de telescópios em terra, composta pelo GMT (que tem participação brasileira) e o E-ELT (do ESO), que terão espelhos com tamanho próximo de 30 metros.

Se não rolar trânsito, as coisas vão exigir mais criatividade, como o desenvolvimento de coronógrafos – estruturas que têm por objetivo bloquear a luz que vem das estrelas-mães, permitindo assim detectar diretamente o brilho sutil que vem de planetas ao seu redor – capazes de viabilizar que vejamos Proxima b de forma direta.

Tanto o VLT, do ESO, como o Observatório Gemini têm instrumentos com a capacidade de fazer imagem direta de planetas ao bloquear a luz estelar, mas eles estão no momento limitado a mundos grandes, jovens (que ainda têm bastante calor de formação e por isso emitem um bom bocado de radiação infravermelha) e distantes de suas estrelas. Proxima b, em contrapartida, é um planeta pequeno, velho e frio.

Quão velho, a propósito? Determinar a idade de anãs vermelhas não é coisa mais simples do mundo, porque elas tendem a viver muito e escondem a idade melhor que a Marta Suplicy. Sabemos que Proxima Centauri ainda vai estar por aí, brilhando sorridente, muito depois que o Sol bater com as dez, em mais uns 5 bilhões de anos. A pergunta é: quando ela nasceu?

Apesar das incertezas, os pesquisadores estimam que a idade dela seja mais ou menos equivalente à do Sol. Uma boa pista são as estrelas Alfa Centauri A e B, que têm porte e idade similares às do nosso astro-rei. Com toda probabilidade, Proxima Centauri (também chamada de Alfa Centauri C) nasceu na mesma ninhada que elas.

O que significa que encontramos um planeta possivelmente habitável em torno da estrela mais próxima, e ele teve praticamente tanto tempo quanto a Terra para desenvolver vida. “Promissor” é pouco para descrevê-lo, não?

E QUANDO VOCÊ ACHA QUE ACABOU…

Poder abrigar água líquida é maravilhoso, mas não adianta de muita coisa se não houver água para liquefazer, certo?

Em princípio, isso não deve ser um grande problema – água, a famosa H2O, é um dos compostos mais abundantes do Universo. Os astrônomos já estão cansados de ver sua assinatura espectroscópica em toda parte, desde as luas geladas de Júpiter até nuvens de gás interestelar a milhares de anos-luz daqui. Claramente não há falta d’água no cosmos.

O que não quer dizer que a distribuição seja igualitária e eficiente. E um dos mistérios de Proxima b, agora que sabemos que ele está lá, é entender como diabos esse planeta nasceu.

Nossos modelos de formação planetária são uma coisa linda de se ver. Há anos eles previram a forma e os vãos do disco de gás e poeira que circunda estrelas recém-nascidas – algo que só recentemente pudemos ver graças a redes de radiotelescópios como o ALMA, no Chile, com sua incrível resolução na faixa submilimétrica do espectro eletromagnético (forma erudita de dizer que eles são muito bons em captar micro-ondas). Ponto para eles.

Só que esses mesmos modelos sugerem que discos protoplanetários em estrelas de pequeno porte, como Proxima Centauri, são tão nanicos quanto elas, e numa faixa de 150 milhões de km de raio teriam, no total, agregariam menos massa do que a Terra tem. Como então Proxima b tem pelo menos 30% mais massa que o nosso planeta, a 5% dessa distância?

“Há três possibilidades”, escrevem Anglada-Escudé e seus colegas na “Nature”. “O planeta migrou para dentro por migração do tipo I [em que a interação com o disco de gás e poeira faz com que ele mergulhe]; embriões planetários migraram para dentro e coalesceram na órbita atual do planeta; ou pedrinhas/pequenos planetesimais migraram por arrasto aerodinâmico e mais tarde coagularam num corpo maior.”

E qual é a importância disso? Se o planeta se formou inteiro mais longe e depois migrou “pronto” para dentro, deve ter sido formado com grandes quantidades de água (que pode se agregar como gelo nas regiões mais distantes da estrela). Se, por outro lado, as pedrinhas primordiais migraram para dentro primeiro e depois formaram o planeta, já no lugar onde ele está hoje, a tendência é que ele tenha uma quantidade bem menor de água – se é que tem alguma.

Concepção artística da superfície de Proxima B, bem na divisa entre o lado iluminado e o escuro. (Crédito: ESO)
Concepção artística da superfície de Proxima B, bem na divisa entre o lado iluminado e o escuro. (Crédito: ESO)

Determinado o inventário inicial de água, temos ainda de ver se a alta incidência de tempestades e atividade estelar não varreu completamente a atmosfera de Proxima b – o que dependerá de ele ter um senhor campo magnético, talvez melhor que o terrestre, para se proteger. Sem atmosfera, mesmo que fosse rico em água, ele acabaria só com gelo, na melhor das hipóteses. Na pior, poderia terminar como um deserto desolador.

Por fim, também não podemos descartar a possibilidade inversa: excesso de atmosfera. Vênus tem esse probleminha. Com uma capa de dióxido de carbono 90 vezes mais densa que o ar terrestre, ele é o lugar mais quente do Sistema Solar, com temperatura constante de cerca de 480 graus Celsius – ao Sol ou à sombra, de dia ou à noite. Tanto faz. Se Proxima b for um análogo venusiano, podemos jogar pela janela todas aquelas análises climáticas preliminares feitas pelos descobridores do planeta.

Daí tiramos duas conclusões:

1. Sabemos muito pouco no momento.

2. Que bom que sabemos pouco, porque a graça está em descobrir!

A ciência dos exoplanetas está apenas na sua infância. Essa nova descoberta – com todas as suas incertezas e encantadoras possibilidades – estimulará o desenvolvimento de novas tecnologias para investigar mundos incríveis e fascinantes, quiçá vivos, como Proxima b.

Anglada-Escudé e seus colegas sonham até mais longe. “Um planeta terrestre ameno orbitando Proxima oferece a oportunidade de tentar caracterização mais detalhada por trânsitos (buscas em andamento), imagens diretas e espectroscopia de alta resolução nas próximas décadas, e possivelmente exploração robótica nos séculos vindouros.”

Sonho desvairado? Cabe lembrar que, em abril de 2016, o magnata russo Yuri Milner anunciou com o físico Stephen Hawking um plano para desenvolver a tecnologia para as primeiras sondas capazes de cruzar as imensas distâncias interestelares, com um investimento de pesquisa e desenvolvimento de US$ 100 milhões. Seu alvo inicial? O sistema estelar Alfa Centauri.

Antes que qualquer sonda interestelar deixe o Sistema Solar, contudo, faremos outras descobertas extraordinárias e começaremos a caracterizar os fascinantes mundos que estamos encontrando lá fora, em toda sua espetacular variedade.

Tenho a convicção pessoal de que todas as condições planetárias que somos capazes de imaginar – e algumas que ainda não somos – devem existir em algum lugar do Universo. Se tem uma coisa que não falta ao cosmos é criatividade.

Ainda assim, a descoberta de um planeta que tem massa de Terra, nível de irradiação estelar de Terra, a possibilidade de ser realmente um abrigo para vida de tipo terrestre e está orbitando a estrela mais próxima do Sol – não a segunda mais próxima, ou a terceira, ou a quarta, mas a primeira – é uma demonstração eloquente e inquestionável do princípio copernicano: a Terra, frágil e bela como de fato é, claramente não ocupa um lugar especial no espaço ou no tempo. Temos aí agora um planeta vizinho que não me deixa mentir.

E as coisas só tendem a melhorar daqui para a frente. Entre o ano que vem e 2018, a Nasa deve lançar o satélite Tess, que fará uma busca de céu inteiro por trânsitos planetários de mundos similares a Proxima b — pequenos e na zona habitável de estrelas anãs vermelhas. Na década de 2020, mais precisamente em 2024, a ESA (Agência Espacial Europeia) pretende levar ao espaço o satélite Plato, um telescópio espacial que será capaz de fazer busca semelhante, mas em torno de estrelas como o Sol e para planetas até menores do que a Terra. “Isso está só começando realmente”, diz Claudio Melo.

Fico só a imaginar o tamanho do sorriso que, se estivesse aqui agora, daria Giordano Bruno, o filósofo italiano que de forma corajosa defendeu, em 1584, amparado apenas pelo princípio copernicano e nada mais, que toda estrela era realmente um sol, rodeada de planetas, e que haveria mundos similares ao nosso em torno desses sóis. Ele foi perseguido por suas ideias subversivas e morto numa fogueira pela Inquisição em 1600. Mas estava absolutamente certo.

Hoje, com essa descoberta incrível em Proxima Centauri, celebramos mais uma vez a ousadia de seu espírito indomável. Enquanto erguemos os olhos para o céu e nos lembramos de Bruno, ninguém, salvo talvez os mais devotos historiadores, seria capaz de dizer o nome dos homens que assinaram sua sentença de execução. Parece justo para mim.

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